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Couverture de Tão só o fim do mundo

Tão só o fim do mundo

de Jean-Luc Lagarce

Texte original : Juste la fin du monde traduit par Alexandra Moreira da Silva

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Tão só o fim do mundo : Extraia +: Monólogo de Susana: os cartas elípticas

Artistas Unidos n° 7

SUSANA – Quando te foste embora
- não me lembro de ti -
não sabia que te ias embora por tanto tempo, não me apercebi,
não prestava atenção,
e dei comigo sem nada.
Esqueci-te bastante depressa.
Era pequena, novinha, é o que dizem, era pequena.
Não é bom que te tenhas ido embora,
que te tenhas ido embora por tanto tempo,
não é bom e não é bom para mim
e não é bom para ela
(ela não te vai dizer nada)
e, de certa forma, também não é bom
para eles, para o António e para a Catarina.
Mas também,
- acho que não me engano –
mas também não deve ser, não deve ter sido, não deve ser
bom para ti,
para ti também não.
Às vezes deves ter,
mesmo que nunca o reconheças,
mesmo que nunca o devas reconhecer
- e é de reconhecimento que se trata -
às vezes também deves ter
(é o que eu digo)
também deves,
às vezes deves ter precisado de nós e deves ter lamentado não nos poderes dizer nada
Ou, mais habilmente
- acho que és um homem hábil, um homem que poderíamos qualificar de hábil, um homem «repleto de uma certa habilidade» -
ou ainda mais habilmente, às vezes deves ter lamentado não teres podido fazer-nos
sentir que precisavas de nós
e obrigar-nos, por nossa própria iniciativa, a preocuparmo-nos contigo.
Às vezes enviavas-nos cartas,
às vezes envias-nos cartas,
não são bem cartas, são o quê? pequenas mensagens, são só pequenas mensagens, uma
ou duas frases, nada, como é que se diz?
elípticas.
«Às vezes enviavas-nos cartas elípticas.»
Pensava, quando te foste embora
(foi o que pensei quando te foste embora),
quando era criança e quando tu te escapaste (é aqui que isto começa),
pensava que a tua profissão, o que fazias ou ias fazer na vida,
o que querias fazer na vida,
pensava que a tua profissão era escrever (fosse escrever)
ou que, de qualquer modo
- e nós aqui sentimos, uns e outros, sabes bem disso, não podes dizer que não sabes, sentimos uma certa forma de admiração, é a palavra exacta, uma certa forma de admiração por ti por causa disso -,
ou que, de qualquer modo,
se precisasses,
se sentisses que precisavas,
se, de repente, sentisses a obrigação ou o desejo de escrever, sabias fazê-lo,
sabias servir-te disso para recuar num passo errado ou para poderes avançar mais ainda.
Mas no que nos diz respeito, nunca,
nunca utilizas essa possibilidade, esse dom (é assim que se diz, uma espécie de dom, acho eu, tu ris-te)
nunca, no que nos diz respeito, utilizas essa qualidade
- é esta a palavra, uma palavra bem estranha tratando-se de ti -
nunca utilizas connosco, para nós, essa qualidade que possuis.
Não nos dás sequer a prova disso, não nos julgas dignos.
É para os outros.
Estas pequenas mensagens
- as frases elípticas -
estas pequenas mensagens vêm sempre escritas em postais
(temos, hoje, uma colecção invejável)
como se desta forma quisesses dar a entender que estás sempre em férias,
não sei, era o que eu achava,
ou ainda como se, antecipadamente,
quisesses reduzir o lugar que nos virias a reservar
e oferecer a todo e qualquer olhar as mensagens sem importância
que nos envias.
«Estou bem e espero que vocês também estejam.»
E mesmo para um dia como o de hoje,
mesmo para dares uma notícia desta importância,
e não podes ignorar que, para nós, foi uma notícia importante,
para todos nós, mesmo se os outros não to dizem,
uma vez mais, escreveste apenas umas rápidas indicações da hora e do dia num postal, seguramente comprado num quiosque, que representava, se bem me lembro, uma das novas cidades da periferia, perspectiva tirada de avião e o parque internacional de exposições em primeiro plano perfeitamente nítido.


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