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Couverture de Estava em casa e esperava que a chuva viesse

Estava em casa e esperava que a chuva viesse

de Jean-Luc Lagarce

Texte original : J'étais dans ma maison et j'attendais que la pluie vienne traduit par Alexandra Moreira da Silva

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Estava em casa e esperava que a chuva viesse : Extracto 1 : Começo

A FILHA MAIS VELHA – Estava em casa e esperava que a chuva viesse.
Estava em casa e esperava que a chuva viesse.
Olhava o céu como faço sempre, como sempre fiz,
olhava o céu e olhava ainda os campos que descem lentamente e se afastam da nossa casa, o caminho que desaparece na curva do bosque, lá em baixo.


Olhava, era noite e é sempre à noite que eu me ponho a olhar, e é sempre à noite que eu me demoro na soleira da porta e me ponho a olhar.
Estava ali, em pé como estou sempre, como sempre estive, imagino eu,
estava ali, em pé, e esperava que a chuva viesse, que caísse sobre os campos e sobre o bosque e nos serenasse.


Esperava.


Não esperei sempre?


(E na minha cabeça continuava a pensar: não esperei sempre? e fez-me sorrir, ver-me assim.)


Olhava o caminho e continuava a pensar, como penso muitas vezes, à noite, quando estou na soleira da porta à espera que a chuva venha,
pensava ainda nos anos que vivemos aqui, todos estes anos,
nós, vós e eu, as cinco, como sempre fomos e continuamos a ser, pensava nisto,
todos estes anos que vivemos e que perdemos, porque os perdemos,
todos estes anos que passámos à espera dele, dele, o irmão mais novo, desde que partiu, fugiu, nos abandonou,
desde que o pai o escorraçou,


hoje, este mesmo dia, pensava nisto, neste mesmo dia, pensava nisto,


todos estes anos que perdemos sem sair daqui, à espera


(e nesse momento talvez me tenha rido outra vez de mim mesma, ao ver-me assim, ao imaginar-me assim, e rir-me assim de mim mesma deixou-me os olhos rasos de água, e tive medo de me afundar)


todos estes anos que vivemos à espera e perdidas, a não fazer nada senão esperar,
e nada conseguir obter, nunca, e não ter outro objectivo senão este,
e pensava, sim, neste mesmo dia, pensava no tempo que desde então podia ter passado longe daqui,
a fugir,
no tempo que podia ter passado numa outra vida, num outro mundo, no mundo que eu imagino,
sozinha, sem vós, as outras, sem as outras, todas, todo este tempo que podia ter vivido de maneira diferente, simples, sem esperar, sem esperar mais por ele, a sair de mim mesma.


Esperava a chuva, desejava vê-la cair,
esperava, como de alguma forma sempre esperei, esperava e vi-o,
esperava e foi nesse momento que o vi, a ele, o irmão mais novo, fazer a curva do caminho e subir em direcção a casa, esperava sem procurar nada de concreto e vi-o regressar, esperava como espero sempre, há tantos anos, sem qualquer esperança, e foi nesse preciso momento, quando caiu a noite, foi nesse preciso momento que ele apareceu, e que eu o vi.


Um carro deixa-o e vem a pé as últimas centenas de metros, de saco ao ombro, em direcção a mim.


Vejo-o dirigir-se a mim, a mim e a esta casa. Olho para ele.


Não me mexi mas tinha a certeza de que seria ele, tinha a certeza de que era ele,
voltava para casa depois destes anos todos, era isso mesmo, imaginámos sempre que ele voltasse assim, sem nos prevenir, sem dar nas vistas e fazia o que eu sempre tinha pensado, o que nós sempre tínhamos imaginado.
Olhava em frente e caminhava calmamente sem se apressar e no entanto parecia não me ver,
e ele, o irmão mais novo, por quem eu tanto tinha esperado e perdido a vida
- perdi-a, sim, já não tenho qualquer dúvida, e de uma forma tão inútil, agora, a partir de agora, sei que é assim, perdi-a -
ele, o irmão mais novo, vi-o, finalmente, regressado das suas guerras, e nada mudou em mim,
estava surpreendida com a minha própria calma, não gritei como tinha imaginado e como vocês imaginavam sempre que eu gritasse, que vocês gritassem, era a nossa versão das coisas,
nenhum berro de surpresa ou de alegria,
nada,
via-o caminhar em direcção a mim e imaginava que ele voltava e que nada seria diferente, que eu me tinha enganado.
Não há nada a fazer.


(...)


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