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Music-hall

de Jean-Luc Lagarce

Texte original : Music-hall traduit par Alexandra Moreira da Silva

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Music-hall : “E isto tem que ver com artistas, uma vez mais”

Ne me dis pas que tu m’adores,
Mais pense à moi de temps en temps,
Un mot d’amour c’est incolore
Mais un baiser c’est éloquent…
“De temps en temps”,
canção de André Hornez e Paul Misraki
interpretada por Joséphine Baker


Uma noite, à saída da estação de comboios de Besançon (Doubs), avistei, afastando-se sob a neve, de malas na mão e renunciando aos táxis, o cantor Ringo Willy Cat, que foi casado com a cantora Sheila – a qual chegou a ser uma grande vedeta, como se costuma dizer – e que cantava com ela, na época em que eram casados, “Laisse les gondoles à Venise…” – o meu irmão e eu sabíamos de cor o refrão. Ringo vinha duas noites por semana, às sextas e aos sábados, cantar os seus antigos sucessos num bar de strip-tease dessa fria cidade do Este.
Uma vez, e isto em Morez (Jura), o diretor de um salão de festas disse-nos que, se tivéssemos vindo na semana anterior, teríamos tido a sorte de assistir a um desafio de luta livre feminina, arbitrado por um anão.
Na Itália, em Aosta, nevava, e enquanto nós os três comíamos num restaurante deserto, abandonados até pelos nossos anfitriões, os empregados de mesa e os cozinheiros assistiam através da televisão a um qualquer jogo colorido e barulhento.
Num navio, ao largo da costa da Grécia, uma mulher obesa levantou-se e regressou por duas vezes ao seu lugar; os atores viam-na passar vagarosamente com um copo de Martini na mão. Entre duas cenas, por detrás do cenário, um rapazinho agarrou-me pela manga e disse-me: “Vocês falam depressa de mais, não percebo nada!”
Noutra ocasião, numa noite de tempestade furiosa, um apresentador que não conhecíamos subiu ao palco para dizer ao público que o espetáculo seria divertido – e nós, atrás da cortina, ficámos transidos de medo.
O teto era tão baixo – já não me lembro onde estávamos –, mas o teto era tão baixo, que a atriz decidiu não usar os sapatos de salto alto, por receio de tocar nos projetores com o carrapito arrevesado.
Uma última vez – e é como um sonho –, enganei-me na porta e entrei pela porta central, ao fundo do enorme palco do Châtelet, e estaquei, petrificado, diante de uma sala deserta e com todas as luzes acesas.
Certa vez – e isto tem que ver com artistas, uma vez mais –, uma cantora rebentou em lágrimas assim que o pano desceu, e toda a sala a ouviu e desatou a rir.
Uma atriz em digressão – esta história foi-me contada – enganou-se na cidade e, ao início da noite, dirigiu-se à porta do teatro, enquanto o resto da trupe a esperava a várias centenas de quilómetros de distância.


JEAN-LUC LAGARCE
“Music-hall”. In Mes projets de mises en scène. Besançon: Les Solitaires Intempestifs, 2014. p. 49-51.
Trad. Rui Pires Cabral.


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