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Couverture de Apenas o fim do Mundo

Apenas o fim do Mundo

de Jean-Luc Lagarce

Texte original : Juste la fin du monde traduit par Giovana Soar

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Apenas o fim do Mundo : Extraia +: Monólogo de Suzana: os cartões elípticas

Apenas o fim do mundo, p. 36-39

SUZANA – Quando você foi embora
- eu não me lembro de você -
não sabia que você ia embora por tanto tempo, não liguei, não prestei atenção,
e me vi sem nada.
Eu te esquecia bem depressa.
Eu era pequena, criança, é o que dizem, eu era pequena.


Não foi bom que você tenha ido embora,
ido embora por tanto tempo,
não foi bom e não foi bom para mim
e não foi bom para ela
(ela não vai te dizer nada)
e, de certa forma, também não foi bom
para eles, Antonio e Catarina.
Mas também,
- acho que não estou enganada –
mas também não deve ser, não deve ter sido, não deve ser bom para você,
para você também.
Você deve, as vezes,
mesmo que você nunca confesse,
mesmo que você nunca deva confessar
- e trata-se mesmo de confissão -
você deve as vezes, você também
(é o que eu digo)
você também,
você deve às vezes ter precisado de nós e lamentado não poder nos dizer.
Ou, mais habilmente
- eu acho que você é um homem hábil, um homem que poderíamos qualificar de hábil, um homem «repleto de uma certa habilidade» -
ou ainda mais habilmente, você deve às vezes ter lamentado não poder nos fazer sentir que você precisava de nós
e nos obrigar, por nós mesmos, a nos preocuparmos com você.


Às vezes, você nos mandava cartas,
às vezes você nos manda cartas,
não são cartas, são o quê? pequenos bilhetes, são apenas pequenos bilhetes, uma ou duas frases, nada, como é que se diz?
elípticas.
«Às vezes você nos mandava cartas elípticas.»
Eu pensava, quando você foi embora
(o que eu pensei quando você foi embora),
quando eu era criança e quando você nos privou da sua companhia (é aí que começa),
eu achava que a sua profissão, o que você fazia ou ia fazer na vida,
o que você desejava fazer na vida,
eu achava que a sua profissão era escrever (fosse escrever)
ou que, de qualquer modo
- e nós aqui sentimos, todos nós (uns e outros), você sabe, você não pode não saber, sentimos uma certa forma de admiração, é a palabra exata, uma certa forma de admiração por você por causa disso -,
ou que, de qualquer modo,
se você precisasse,
se você sentisse que precisava,
se, de repente, você sentisse, a obrigação ou o desejo, você saberia escrever, se servir disso para sair de um passo mal dado ou para poder avançar ainda mais.
Mas nunca, com respeito a nós,
você nunca usa dessa possibilidade, desse dom (é assim que se diz, uma espécie de dom, eu acho, você ri)
nunca, com respeito a nós, você usa dessa qualidade
- é esta a palavra, uma palavra bem estranha já que se trata de você-
nunca você se utiliza dessa qualidade que você tem, com a gente, para nós.
Você não nos dá sequer a prova disso, você não nos julga dignos.
É para os outros.


Esses pequenos bilhetes
- as frases elípticas -
esses pequenos bilhetes vêm sempre escritos em cartões postais
(nós temos, hoje, uma coleção invejável)
como se você quisesse, dessa maneira, sempre parecer estar de férias,
não sei, era o que eu achava,
ou ainda, como se, antecipadamente,
você quisesse reduzir o lugar que você nos consagrava
e oferecer a todo e qualquer olhar as mensagens sem importancia que você nos mandava.
«Eu estou bem e espero que vocês também estejam bem.»
E mesmo, para um dia como o de hoje,
mesmo para dar uma notícia desta importância,
e você não pode ignorar que foi uma notícia importante para nós,
todos nós, mesmo se os outros não te dizem,
você escreveu apenas, lá também, umas rápidas indicações da hora e do dia num postal, comprado certamente numa banca e representando, se bem me lembro, uma das novas cidades da periferia, vista dum avião, com, podemos notar claramente, em primeiro plano, o parque internacional de exposições.


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