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Bovary

+ d'infos sur le texte de Tiago Rodrigues traduit par Thomas Resendes
mise en scène Tiago Rodrigues

: O romance na mesa da esplanada

par Tiago Rodrigues

O ponto de partida para Bovary é também um ponto de chegada. Esta peça parte do processo em que Gustave Flaubert foi acusado de atentado à moral no seguimento da publicação de Madame Bovary, em fascículos, na Revue de Paris. Tendo uma adaptação livre do processo como base, integra na sua estrutura o próprio romance. Põe a lei a discutir com a literatura. Promove uma Babel de palavras legais e literárias, retóricas políticas e poesia. É uma peça que parte da foz de um rio linguístico e que tenta navegar, contra a corrente, até à nascente de onde ui o perigo das palavras.


Ainda que cada fala desta peça tenha sido escrita em Lisboa, começou a ser imaginada em Paris. Num encontro fortuito em Lisboa, a atriz Carla Maciel (que interpreta Emma Bovary) tinha‐me desa ado a pensar em escrever à volta de Madame Bovary. Meses mais tarde, numa passagem por Paris, em digressão, quis encontrar‐me com alguém que conhecesse o romance de Flaubert por dentro. “Por dentro” como um especialista na obra do normando, mas também “por dentro” através da intimidade que apenas um francófono pode ter com este romance perfeito. A mãe duma amiga minha é professora de literatura em Paris e aceitou encontrar‐se comigo. Foi no café Saint Jean, em Montmartre. Quando combinámos o encontro, ela disse que o modo de a reconhecer na esplanada do Saint Jean seria procurar a mulher que tivesse um exemplar de Madame Bovary em cima da mesa. A conversa que tivemos é, para mim, o primeiro dia de escrita desta peça.


O modo como depois escrevi o resto de Bovary é um retrato do teatro que procuro fazer. Escrevo em colaboração com os atores. Entro na sala de ensaios com algumas páginas que são, normalmente, o início da peça. Discutimos. Bebemos café. Lemos em voz alta. Muito importante, lermos em voz alta. Lemos o romance de Flaubert em voz alta. Pesquisámos sobre escândalos artísticos e debatemos essa zona fronteiriça e riquíssima onde a arte e a lei se confrontam. E a peça foi surgindo. A cada manhã algumas páginas, que alimentavam o ensaio da tarde. Até à estreia houve lugar a acertos do texto, a consultar permanentemente o romance, que é citado centenas de vezes ao longo da peça, a pensar a partilha das palavras.


Construir este espetáculo foi, acima de tudo, cumprir a distância entre a nossa língua e a de Flaubert, o nosso mundo e o de Emma. Viajar até ao tempo e ao imaginário deste autor e desta personagem com a certeza de que nos reencontraríamos com o nosso tempo e a nossa realidade. Ou seja, ganhar o direito de estar sentado numa esplanada com este livro em cima da mesa. Conhecê‐lo por dentro.


Lisboa, novembro de 2015

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